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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Vão do Vagão

Ai droga! Me desculpa?  ela disse depois de pisar no meu pé.
O que? Desculpa? Magina, que isso! O que é um pé perto de um coração?
Não disse nada, apenas a olhei e sorri, mas minha alma quis dizer muita coisa para ela, e como fazer isso sem que ela pensasse que eu tinha problemas?
É que quando a olhei foi como se eu não pensasse em que velocidade estávamos, por que estávamos ali de certo modo parados em relação ao outro. Foram os seus olhos castanhos que me prenderão ou sua pele morena que me fez desejar toca-lá?
E sim, eu super disfarcei, eu olhei para um lado e para outro, mas entre a esquerda e a direita lá estava o meu foco, era ela.
Então foi no cacho do seu cabelo que eu vi o desenrolar da nossa história: Ela me contaria talvez sobre um irmão ou uma irmã e suas brigas, me contaria as coisas mais bestas de sua vida e sem sombra de duvida ela me contaria sobre o seu primeiro PT. 
Eu a levaria para comer, seriamos daqueles casais lindos que ficam obesos enquanto assistem aquele seriado nada haver da Netflix. Tiraria aqueles cinquenta minutos do meu dia para zoar ela, dizer cada um de seus defeitos, eu riria deles e sem duvida ela iria fazer aquele drama de criança mimada, iria olhar para mim e com uma voz extremamente aguda dizer "Para cara! Não sei porque eu te namoro. Sério!", e no fim, depois de deixar ela louca de raiva eu teria aquele resto de vida para ama-lá.
A porta se abre e naquele momento nos olhamos, como se ela também implorasse para que eu não saísse por aquela abertura mundo afora. Confesso que meu mundo agradeceu a todos os deuses quando a porta simplesmente se fechou. Peço o numero dela? Talvez? Não, melhor não.
Seriamos aquele casal de Facebook meloso e incomodo, me desculpe, mas é que ela é tão linda. Eu com certeza tiraria foto dos olhos dela ao lado dos meus, porque não importa se os dela não são claros como os meus, o que importa é a profundidade deles, e ela era um mar de olhares.
Eu faria de tudo por ela, mas ela me parece não estar interessada. Ela me olha vez ou outra entre essa floresta de pessoas, mas talvez seja constrangimento pelo pisão, não no pé, mas na alma.
Então acho que tenho que me arriscar. E se os seus olhares forem, mais profundos do que cansados? E se seus lábios forem mais artísticos do que arte? E se a sua alma for mais cor para a minha? Então, vamos lá, no três.
Um, dois...
Espera, eu preciso de um sinal, destino, sei lá. Por que eu não sou mais fácil? Vamos fazer assim, se essa porta se abrir e ela sair então era isso, seriamos péssimos juntos, pior casal, brigaríamos todos os dias e cinquenta minutos para falar mal dela seria pouco, mas se ela ficar, então eu estarei preparado para encarar-lhe olho no olho, alma na alma.
Ao desembarcar cuidado com o vão entre o trem e a plataforma.
Do que se trata esse vão exatamente? Claro que fisicamente seria o buraco entre o trem e a plataforma, mas naquele momento o trem era eu e a plataforma era ela, e aquele vão que ficou entre a gente, o que eu poderia fazer?
Ela estava lá e eu aqui, eu poderia correr até ela, mas a porta com toda certeza fecharia, rompendo o ar, o chão, a vida e o pisão. Aquele vão, maldito vão entre nossos corpos, maldito ar, maldita porta, maldito destino. Não havia como ter cuidado, eu cai e fui esmagado.
É difícil acreditar em quão ruim seriamos, éramos incríveis juntos, mas talvez se eu vagar pelos vagões...

sábado, 21 de outubro de 2017

Oi moça


É madrugada, minha janela aberta deixa um vento frio adentrar meu quarto, um vento tão frio quanto meu coração, desde que ele partiu. 
Eu me levantei, abri meu guarda-roupa tentando encontrar algo quente para usar, e tudo que enxerguei foi aquele moletom velho dele dependurado em um dos meus cabides, aquele moletom que ele esqueceu aqui depois de descobrir um furo embaixo do braço esquerdo. Aquele moletom que eu sempre usava para ele, geralmente sem nada por baixo. 
Avisa pra ele moça que o moletom ainda está aqui, avisa que eu ainda uso nas noites frias, e algumas vezes até uso nas quentes só para sentir o calor dele mais uma vez perto de mim. 
Avisa pra ele moça que eu não lavei o moletom desde a última vez que ele usou, e que o cheiro dele ainda continua aqui, fraco, mas tão vivo quanto o amor que sinto. 
Depois de me aconchegar dentro do moletom, eu caminhei até a sala e vi um porta retrato com a foto dele ao lado da televisão. 
Conta pra ele moça, que todas as noites de insônia eu sento nesse sofá e fico admirando o sorriso que ele deu naquela foto, remoendo as lembranças daquele dia na minha cabeça, e repetindo a mim mesma que éramos felizes demais para terminar assim. 
Conta pra ele moça que eu ainda abraço aquele porta retrato e choro em silêncio me perguntando se ele também sorri desse jeito para você. 
Não me leve a mal, eu quero que ele seja feliz, quero muito, mas é que é difícil aceitar que não faço mais parte da felicidade dele. 
Me apego aos pequenos detalhes, as pequenas coisas que ele deixou para trás quando se foi. E quando sinto muita saudade dele eu ouço um dos áudios antigos que ele me deixava no WhatsApp. 
O último, em particular, é o que eu mais gosto, ele descreve uma série de atividades pra eu não esquecer de fazer e no final ele diz: "Não esquece de me amar, porque eu te amo muito...". 
Diz pra ele moça, que eu não esqueço de amá-lo nem um segundo se quer, mas que parece que ele se esqueceu, em algum momento, de me amar de volta também. 
O coração é uma coisa estranha não é? Parece que o peito vai explodir de amor, e a gente fica se perguntando como isso é possível, como é possível amar tanto alguém a ponto do peito querer explodir. Não sei a resposta, mas sei que quando ele entrou em minha vida eu vivia em uma constante sensação de morte por aceleramento de coração e eu pensava que morreria de amor, e hoje moça, a sensação é de parada cardíaca. Parece que depois que ele me deixou, a qualquer momento meu coração pode parar. 
Que digam por aí, se isso acontecer, que eu morri por amor. 
Uma infinidade de horas se passaram, o sol já nasce no horizonte quando decidi me levantar e caminhar novamente até meu quarto, embaixo da cama tem uma caixa com todas as coisas que ele deixou para trás, além de mim. 
Pego essa caixa pela centésima vez nesta semana. E pouco a pouco começo esvaziar. Quisera eu, que pudesse fazer isso com meu coração. Mas não. Depois de ver todas as coisas dele espalhadas na minha cama, eu começo a guardá-las novamente, um ritual que eu pratico sempre que abro a caixa. 
Uma gravata, a primeira gravata que eu tirei dele, na primeira noite que fizemos amor. Conta pra ele moça, que a gravata não sumiu, eu disse que ela havia sumido naquela manhã, mas era só para ter o que guardar de lembrança, já que eu pensava que não o veria novamente. 
Um pedaço de papel com a letra dele, conta pra ele moça que no papel tem um lembrete dele para não esquecer de tomar o remédio de gripe na hora certa. Pergunta ele, se ele não se esqueceu de tomar o remédio na hora certa, caso ele esteja gripado. Não esquece moça, pois ele já é esquecido demais. 
Um DVD do Rocky. Você aprenderá logo que o filme preferido dele também será o seu. Diz pra ele moça, que eu achei o DVD jogado embaixo da cama depois que ele foi embora. 
Um CD do Red Hot que ele esqueceu dentro do toca discos. Moça, fala pra ele que eu cuidei direitinho do CD pra ele, pois eu sei o quanto ele é cuidadoso com os objetos de coleção dele. 
Tem até um chinelo que ele largou dentro do banheiro, ele está pregado com grampo em baixo porque havia arrebentado.
Moça, fala pra ele que eu guardei tudo, e que eu rezo para que ele venha buscar um dia desses, e se por acaso eu couber no carro, que ele me leve junto também. 
A vida sem ele não tem mais cor.
Mas moça, se por acaso ele não vier, diz pra ele que eu continuo aqui, e se a esperança é a última que morre ela está tão viva quanto eu. Diz pra ele moça, que o Lucky está sentido a falta dele, que ele não gostou da ração nova que eu comprei, e que todas as noites ele fica sentado de frente ao portão esperando ele chegar. 
Enquanto isso, pergunta ele moça, se ele está cansado, e lembre-se de fazer uma massagem antes de dormir. A comida preferida dele é Lasanha, mas ele não dispensa um japonês. E a cerveja que ele gosta de beber é a Budweiser. 
Ô moça, não esquece de torcer pro time dele ganhar, mesmo que ele saiba que no fundo você só está fazendo isso por ele. 
Ele não gosta de doce, então não se preocupe com sobremesas, ele prefere os salgados. Ele não gosta de surpresas também. Ele diz que odeia criar expectativas. 
Se ele estiver com ciúme mostre que você não se importa com ninguém além dele. 
A cor favorita dele é vermelho, e ele odeia verde e amarelo. 
Moça, ele não come tomate, nem cebola. 
E ah, já é ia me esquecendo, ele gosta de carinhos nas costas, não esqueça disso. 
Por último, conta pra ele moça, que eu sinto saudade todos os dias, mas que eu aceito as escolhas dele. Aceito ele escolher você. 
Se cuida e cuida dele, por você e por mim. 



quarta-feira, 18 de outubro de 2017

É que...

É que ela acordou e seu primeiro pensamento foi aquele ato babaca de um ser idealizado. É que ela se questiona sobre o motivo de ainda estar viva. Digo que é porque ela sente nojo de si, quando deveria sentir nojo de outro. Afirmo que é porque ela acha que é o fim, quando é apenas um recomeço. Grito, de forma irritante, “é que ela não sabe de nada”.
É que ela acha que não se encaixa mais aqui, não aqui, mas aqui, ali e acolá. Ela acha que ninguém serve, ninguém presta, ninguém é confiável. Ela crê que a vida já passou. Ela acostuma-se a caminhar de mãos dadas com a morte, amanhã ela então lhe dará a outra, no dia seguinte o pé esquerdo e depois o direito, até que chega o dia do seu coração, e quem saiba nem na morte ela confie. Sempre desconfie.
Ela acha muita coisa, mas achar não torna nada um fato.
É que ela não sabe que haverá tempos piores. É que ela não sabe que a terra da garoa já não pode mais abriga-lá. Ela não percebe que a cidade de impérios caídos já não tem o mesmo gingado, e ela nem imagina que está no lugar errado.
É que amanhã ela será ateia e depois cristã, um dia será deísta e depois nem eu sei. Ela vai sair da faculdade e escrever belos textos, é que ela vai ser lida. Ela vai voar.
É que ela vai encontrar seu lar em um doce carioca. Ela vai amar o seu jeito engraçado de falar, aquele "x" no meio dos "s". É que ele vai lhe dar amor e confiança. E pela primeira vez ela vai conhecer a pureza da alma, o encanto da magia e o mel da infância.
É que ela nem acha e nem acredita que esse cara exista, mas ele está lá, em uma janela enferrujada olhando o Cristo Redentor, fazendo suas rimas de quebrada e apaixonadas, sonhando com o dia em que viverá de sonhos, e tendo a certeza mais do que correta de que será real. Te digo muito mais, é que ele também acha muitas coisas, mas ele acha que suas rimas preciosas já tem uma dona e ela acordou hoje pensando naquele ato babaca de um ser idealizado.
Eu sei e entendo que o tempo pode até nao curar nada, mas te faz esquecer muita coisa.